Quando acordei sentia-me estranha, sonolenta e com a cabeça longe...
Conheço-me o suficiente para não me preocupar muito com as distâncias que por vezes a minha cabeça percorre, mas hoje... talvez estivesse longe demais.
Não dei muita importância ao caso e despachei-me para sair de casa. Hoje, em particular, estava mesmo desejosa pelo meu abatanado pingado...
Caminhei lânguida e vagarosamente, envolvida por um vestido comprido, amarelo torrado cheio de flores, cujo tecido macio e leve me deixa respirar tranquilamente. Insisti nos óculos escuros, apesar de alguma nublina matinal e até algum ar mais fresco a lembrar os primeiros dias de Outono.
Gosto do Outono. Das árvores carregadas de folhas avermelhadas que acabam por cair com os primeiros ventos e gotas de chuva de alguns dias mais turvos. Acho tão bonito as cores deste arvoredo num dia pleno de sol, mas suficientemente frio para usar uma peça de roupa em malha que me aconchega o corpo e a alma.
Também gosto muito do Inverno. Dos dias frios e até dos mais chuvosos, quando me posso dar ao luxo de decidir se fico por casa ou se me atrevo a chapinhar nas poças de água com as botas de borracha. Delicio-me com as noites de temporal, aquelas em que o céu, assutadoramente escuro, é rasgado por raios de luz e energia de uma potência elevada ao que está para além do infinito. Deixo a casa às escuras e fico a ver as sombras que estes clarões fazem ao invadir a minha escuridão omissa de voyeur.
A Primavera deixa-me instável. Não, não é só pelas alergias que me transformam os olhos em duas bolsas lacrimejosas e o nariz pingão, parecendo que estou a enfrentar a maior catástrofe do mundo. Não, são apenas os efeitos das hormonas da Natureza no seu esplendor. Gosto das manhãs que chegam mais cedo e me deixam apreciar o nascer do Sol em directo da minha cama, muito a tempo de ouvir o despertar do telemóvel que acabo por desligar antecipadamente. Encho-me de uma nova energia e frescura ao atravessar o parque a pé, todas as manhãs, em que àquela hora só se ouvem os primeiros chilrear das aves que também ainda a despertar.
O Verão é talvez a fase mais aborrecida do ano... parece um paradoxo. Por um lado, há a grande movida das esplanadas, as noites longas a caminhar junto ao mar ou ao rio. Mas aborrece-me as filas e os lugares demasiado populados com demasiada gente. Sinto-me a mais, com menos espaço e procuro sítios mais tranquilos onde consiga conversar com alguém. Não é mau de todo, mas o calor que nas ultimas décadas se tem intensificado deixam-me em modo lesma e apetece fazer quase nada. Um aspecto positivo: os mergulhos no mar, na água salgada, enfrentando algumas ondas que nos pedem para nelas mergulhar e tocar nas areias mais profundas... O Mar é místico e muito especial para mim... Guardo-o, durante todas as estações do ano, nas mais variadas circuntâncias e algumas companhias, quando me apetece tê-las por perto.
Marinava neste turbilhão de pensamentos vagos mas um pouco analíticos, quando já no regresso a casa e ao passar numa esplanada bem perto do meu prédio alguém me pergunta se tenho lume. Uma voz masculina, jovem, bem colocada e educada. Parei, olhei para a mesa onde estavam três rapazes entre as mesmas idades... talvez não mais do que 22, 24 anos. Fiquei parada porque nesse dia, como já referi, os meus neurónios estavam todos ausentes e não havia substitutos. Depois de escassos segundos em silêncio em que apenas permanecia parada a olhar para a mesa e para o rapaz que me solicitava lume, é que consegui, de forma entorpecida e distante, dizer que não, não tinha lume nesse dia. Até expliquei que costumo trazer sempre um isqueiro comigo, mas nessa manhã tinha apenas levado um saco de pano com um livro e a carteira. Lamentei e voltei ao meu passo letárgico. Não tinham passado 3 ou 4 segundos e novamente aquela voz suave e humilde me pedia desculpa e perguntava se eu podia esperar um momento, ao mesmo tempo que o via levantar-se a caminhar na minha direcção. Ali estava ele, em frente a mim. Um daqueles miúdos que, na escola secundária ou na faculdade, eu teria dado tudo para que reparasse em mim. Bom, também não iria adiantar muito, porque a minha timidez levava-me a fugir a sete pés.
Os olhos eram num tom azul cinza e as pestanas longas. Era esguio e com look de beto de cascais que faz surf quando não está na esplanada nos intervalos das aulas, como era o caso. Acho que pelo menos um dos meus neurónios regressou à base, curioso com o que se passava ali. Pediu-me se podia ver os meus olhos. Eu não estava a acreditar... Um garoto a atirar-se a uma mulher com quase 40 anos? Ok, pode até não parecer, pelo meu ar descontraído no vestir e estar, mas... hello??!
Os olhos eram num tom azul cinza e as pestanas longas. Era esguio e com look de beto de cascais que faz surf quando não está na esplanada nos intervalos das aulas, como era o caso. Acho que pelo menos um dos meus neurónios regressou à base, curioso com o que se passava ali. Pediu-me se podia ver os meus olhos. Eu não estava a acreditar... Um garoto a atirar-se a uma mulher com quase 40 anos? Ok, pode até não parecer, pelo meu ar descontraído no vestir e estar, mas... hello??!
Completamente despreocupada e curiosa pelo atrevimento gentil daquele miúdo tirei os óculos escuros e olhei-o bem nos olhos, dizendo-lhe apenas que hoje estavam um pouco turvos. Acho que foi ele quem corou. Rematou dizendo que eram muito bonitos. E apresentou-se, ao mesmo tempo que me estendia a mão: Miguel, disse ele. Correspondi ao gesto e estendi-lhe a minha mão dizendo o meu nome, quando em vez do esperado aperto de mão, a beijou delicada e educadamente. Ficou surpreso com o meu nome dizendo que era também o nome da mãe e que não se iria esquecer.
Acho que me apeteceu rir muito mas contive-me por ele, que ao mesmo tempo estava a ser um doce. Parecia um pequeno príncipe, meio tímido, meio atrevido, que lançava o seu charme como quem lança perfume. Retirei a minha mão da dele e despedi-me dizendo apenas que tinha sido um prazer. Ele também e continuando a acompanhar o meu passo lento me dizia/questionava... "talvez nos voltemos a ver por aqui, quem sabe, não?"... Simplesmente, sorri e continuei. Quem sabe...
Ao mesmo tempo que me questionava sobre o que tinha acabado de acontecer, embora deliciada pelo gesto do jovem conquistador, concluí que... a atenção e o charme não têm idade. Um homem pode chegar aos 30, aos 40, 50, aos 80 anos, pode ter percorrido toda uma vida sem nunca ter manifetsdao um gesto simples, bonito e elegante como o deste miúdo. Ou então, talvez tenha sido eu quem não tenha tido muita sorte pelo caminho das emoções. Ou ainda... talvez tenha fugido, quando tinha a idade do miúdo da esplanada...
A cabeça continuava longe, mas com os restantes neurónios já estavam a caminho.
Love.
Take Care,
Birdie
Love.
Take Care,
Birdie
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