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Monday, April 23, 2007

Paisagens inóspitas

Lembro-me quando eramos deixados no meio da Serra da Lousã, apenas com um mapa e uma bússola e tínhamos que regressar ao acampamento antes de escurecer.
Era o que eu mais gostava de fazer nas colónias de férias: os jogos de pistas.
Divididos em grupos mistos de 10, seguíamos trilhos, encontrávamos pistas, recolhíamos objectos, respondíamos a perguntas e fazíamos tarefas que nos eram pedidas. Era assim de checkpoint em checkpoint até chegarmos a Foz de Arouce.
Depois do jantar preparava-se o serão. Apuravam-se os resultados e encontrava-se o grupo vencedor.
Devia ter uns 13 anos, e devido a esses jogos, sem querer, começava a perceber a minha relação espacial perante as dimensões da natureza.
Rodeados de árvores, caminhávamos em silêncio por entre vales e escarpas da serra enquanto as cigarras cantavam nas árvores.
Ouvia-se ainda o sopro do vento, que delirante, ora se afastava, ora investia nos nossos ouvidos, ao mesmo tempo que as botas raspavam na terra, partindo um ou outro galho que se atravessava no percurso.
Sem saber incubava o gosto daquilo que hoje classifico como um fascínio por paisagens inóspitas.

Anos mais tarde, quando vi o primeiro filme da Guerra das Estrelas no cinema, voltava a submergir numa grande paisagem. Desta vez através da imaginação e não fisicamente como na serra. Uma vez mais via-me como um ponto num espaço tamanho: o espaço sideral, também ele inóspito. Estéril.
Mas todo o silêncio que povoava as minhas paisagens inóspitas não podia durar para sempre.
Em 1987, descubro o álbum Joshua Tree dos U2, e pela primeira vez comecei a ver a música enquanto banda sonora e associá-la a um determinado espaço ou momento.
Hoje, quando oiço qualquer faixa desse álbum, visualizo imediatamente a fotografia do disco.
Captada por Anton Corbijn, a imagem revela-nos um amplo e árido deserto americano que se perde no horizonte, com a banda irlandesa a ser remetida para o canto do enquadramento. A existência de grão e o preto e banco da imagem mostram a emoção crua pela paisagem, e num olhar calmo e alienado do quotidiano, prefaciam a minha primeira banda sonora.

O cinema e a música sempre representaram um referencial para mim. Quer no campo visual quer na esfera auditiva. Foram fundamentais para conceber e imaginar o meu próprio mundo. O meu mundo perfeito.

Lembro-me, por exemplo, da magnífica banda sonora do Ry Cooder que suspende e amplia o tempo no Paris Texas (1984), tornando as estradas e as sucessivas viagens ainda maiores do que são, ou ainda os cenários e a atmosfera de Kubrick no 2001: Odisseia no espaço (1968).

Com a literatura aconteceu a mesma coisa. Mais tarde quando li Sophia compreendi a importância dos 4 elementos nas minhas paisagens. O Fogo, a Água, a Terra e o Ar, são as forças vitais que compõe toda a natureza. E não sendo nenhum alquimista, descobri que, afinal, também sou composto pelas mesmas energias.

Hoje dou por mim constantemente à procura de mais espaços que me transmitam esse fascínio, essa paz de alma, esse equilíbrio de energias.
Tal e qual como na serra, hoje preciso de me sentir um ponto em deslocação, rodeado de um imenso espaço. Quando me revejo nesse minúsculo ponto em movimento consigo compreender o verdadeiro espaço físico que ocupo perante tamanha imponência e ostentação, e sem grande esforço compreendo o que é a liberdade.

Por isso, não entendo os que pedalam parados dentro de um ginásio, ou aqueles que nem hamsters, correm rodeados de espelhos nas passadeiras das academias.
Eu preciso de perder de vista o meu horizonte. Preciso de um wallpaper que forre o percurso da minha corrida. Preciso de um padrão natural. De uma banda sonora que amplie o tempo e deforme as distâncias, permitindo-me uma maior vivência.

Quem nunca desceu uma montanha a esquiar ao som do Passing Stranger do Scott Matthews não sabe do que estou a falar.

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