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Monday, December 04, 2006

O Natal e a Eterna Criança...

A noite já tinha caído sobre a Cidade.

A diferença considerável entre as horas de Sol nos meses de Primavera/Verão, comparativamente com os meses de Outono/Inverno, torna a noite mais longa, e enquanto não se entra no novo "ritmo" horário tem-se a sensação de que é sempre mais tarde do que a hora que o relógio marca. Eram apenas 17:50...


Tinha acabado de estacionar no Centro, quando as luzes de Natal se acenderam, como que por magia e em jeito de "boas-vindas". Estava gelada. Tinha parado para almoçar com uns amigos em Coimbra, e acabei por me atrasar um pouco. Mas Tempo, é coisa que em Viseu não falta. Apesar de ser uma cidade muito desenvolvida, tudo é perto, e a hora de ponta é uma brincadeira de crianças, se compararmos com a confusão de Lisboa. Na realidade, queria sentir o pulsar da Cidade àquela hora e ver a iluminação de Natal...

Entrei na Pastelaria onde já me sinto em casa, mesmo quando passo quase um ano sem ir lá. Desde que a minha tia-avó Angela partiu (e já faz 2 anos, a 7 de Janeiro próximo), que me habituei a tomar o pequeno-almoço onde ela me levava sempre quando eu era pequena. Agora, já não fico na casa de pedra que deixou ao meu cuidado... Precisa de um grande restauro. Esta foi o motivo principal que me levou até lá, neste fim-de-semana prolongado.


acompanhada por um chá de Jasmim e meia torrada de sêmea, pensava nos detalhes que tinha para falar com o Arquitecto, que entretanto me tinha apresentado o projecto em Abril último. Queria analisar com ele, uma forma de não deixar que a casa de família onde nasceu o meu avô materno se transformasse em ruínas, uma vez que a minha situação profissional sofreu grandes alterações. A última coisa que queria era, mais tarde, ser forçada a vendê-la a algum casal Alemão ou Suiço, para que não caísse! Depois de algumas anotações no meu velhinho Moleskine violeta, entreguei-me ao prazer do chá quente e da sêmea caseira estaladiça e morna, amaciada pela manteiga suavemente derretida...


Sou "acordada" pelo som do telemóvel e salto da cadeira. Estava mesmo longe... Eram os meus primos. Devia ter-lhes ligado para avisar de que a viagem tinha corrido bem e que em breve iria ter com eles. Afinal, iria pernoitar durante todo o fim-de-semana em casa deles. Anteciparam-se. Mas sabe bem ouvir uma voz familiar do lado de lá, que nos transmite carinho e preocupação. Mas fiquei realmente absorta nos meus pensamentos... Falámos rapidamente, porque a confusão do lado de lá era muita. Três crianças, não é pêra-doce!


Pedi a conta, e despedi-me até Domingo, pois nesse dia já tinha o pequeno-almoço marcado com uma amiga. De outra forma, jamais conseguiria escapar à hospitalidade Beirã com que os meus primos me recebiam sempre, desde que deixei de ficar na casa de S. Salvador.

De facto, não me enganei... Houve Tempo para tudo. Vi as luzes de Natal, fotografei, passeei pelo Rossio, junto à Câmara Municipal, e já no carro, segui o meu caminho. Durante o curto trajecto entre o centro e a casa dos meus primos, regressei aos pensamentos que me invadiram durante o chá... O Natal nunca mais foi o mesmo, desde que a minha tia Angela tinha partido... Nunca. Por muitas luzes que brilhem nesta quadra, sinto sempre um vazio grande que nada nem ninguém consegue preencher.


Ela era a "imagem de marca" do Natal. A minha referência desta quadra. Ia sempre passar o Natal a Lisboa, e ficava em casa dos meus pais. Desde que me conheço que este ritual já fazia parte da quadra natalícia. Gostava muito dela e ela de mim. Ambas sabiamos disso, sem nunca o demonstrar da forma mais tradicional... Na verdade, eu passava a vida a inventar partidas, e ela caia sempre, porque era bastante distraída. Mas também porque ela acabava por se rir tanto das minhas brincadeiras, conversas, e imitações, que nem prestava atenção ao resto. E ria imenso! Mas eu gostava particularmente de destabilizar, e sabia qual o seu ponto fraco... Troçava de Viseu, apelindado a terra da minha costela materna de "fim-do-mundo"! A minha tia não podia com isso! Tudo, menos ridicularizar e menosprezar "uma Cidade em franco desenvolvimento"! E puxando do Jornal das Beiras, lá começava ela a discursar, lendo as notícias sobre novas estradas, ligações, construções a acontecer na região...


Enfim... era assim o Natal. Entre risos, confusão, amontoado de casacos de quem ia chegando, muito barulho à mesa, música festiva, os meus primos irrequietos (também eles pequenos), muitos tios, os avós maternos, e a magia do aguardar pela meia-noite, altura em que o Menino Jesus nos deixava os presentes na chaminé, se nos tivessemos portado bem durante o ano. Era uma verdadeira prova de bom comportamento!


"Ooops! É aqui!" Parei o carro. Era aquela a casa dos meus primos. Fui recebida entre beijos e abraços sentidos e longos... Sabe bem, principalmente, em determinadas alturas... E neste momento que vivo, aliado ao Natal, não há nada que me possa dar mais conforto do que este calor humano, desgarrado de "interesses", "objectivos", ou "cobranças"... Apesar de comer pouco e ser Ovo-lacto-Vegetariana, peço sempre para não fazerem cerimónia alguma, escusando preocuparem-se em preparar um prato diferente. Custou, mas felizmente já se habituaram a isso. Tudo me sabe bem, na companhia deles...

Dormi no quarto da Inês, a filha mais velha dos meus primos, que tem 8 anos. Tanto ela, como os irmãos - o Pedro, de 5, e o Miguel de 2 anos - se mostraram deveras preocupados pela "menina" dormir sozinha no quarto, e arranjavam todas as desculpas para prolongarem a noite dos pais, a fim de justificarem mais umas horas de risota com a prima de Lisboa. De facto, não há nada que trave a Criança que permanece em mim. E há momentos em que sou quase pior que todos eles. Talvez seja por isso que eles não me largam desde que chego até partir.

Nessa noite, no quarto da Inês, decorado com dois peluches macios, uma boneca de trapo lindíssima, velas nas tonalidas de rosa, violeta e verde, laços e outros objectos tão "de menina", percebi o quanto a "minha criança" está bem viva dentro de mim... e senti-me muito bem por isso.


Deitei-me, cansada mas muito feliz... Puxei o endredon beige pingado de margaridas às cores, apaguei a luz do candeeiro em formato de flôr, e esbocei um sorriso tranquilo, que me transportou docemente ao sono profundo dos justos.


Sob um pulsar lento de imagens que emergiam das profundezas do inconsciente, revi os momentos que passei com a minha tia, as partidas e as brincadeiras constantes, os espaços partilhados, a voz dela, e regressei... ao Natal da minha infância.

estava ela. A minha Tia Ângela... No brilho das Luzes mais brilhantes que alguma vez vi. Com o calor destas, adormeci confortada.

Dormi com a tranquilidade de uma criança... Como a criança que não quero nunca deixar morrer em mim...

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