O dilema da página em branco... Não interessa. Obriguei-me a escrever todos os dias. Por pouco que seja, por pouco sentido que faça... escrevo! E aqui estou eu, com o dilema da "página" em branco. Isto não é uma página de um caderno ou de um bloco. Mas não deixa de ser uma página onde pretendo escrever algo maior. Algo que me transcenda, que fique para além de mim mesma e que possa servir de inspiração a alguém... ou não. Não importa. Uma vez li um livro de uma escritora com algum sucesso que dizia que, independentemente de ser bom ou mau, o escritor deve escrever quatro páginas por dia. Não estou a auto-intitular-me de escritora. Estou muito longe disso. Mas gosto de escrever. Não sei se é uma terapia dos que gostam de alguma solidão, ou uma necessidade de exprimir algo que não se consegue verbalizar. Muitas vezes, nem é possível verbalizar. A escrita é como uma espécie de grua que penetra no nosso ser mais profundo e iça todos os fantasmas, recalcamentos, todas as dores e as alegrias que vamos transportando pela vida. Por isso me obriguei a escrever todos os dias. A desculpa da falta de inspiração leva-nos a adiar páginas e páginas de coisas que muitas vezes na cadeira do café, na areia fina da praia ou na fila do supermercado nos tomam de assalto, como se algo dentro de nós quisesse dizer-nos alguma coisa que está esquecida e longe. Ou que ainda não se consegue perceber, mas que cria uma sensação estranha de querer agarrar uma folha em branco e começar a escrever algumas palavras que nos surgem naquele preciso momento e que temos a certeza que vão desencadear um jorrar de letras que certamente poderão traduzir o nosso dilema.
Bom, mas hoje, no meu segundo dia de "pena e papel", nem o dilema da página em branco levou a melhor.
A ventania lá fora captava a minha atenção. Estava outro dia de Inverno rigoroso puro. Saí ainda de madrugada para atravessar o trânsito da cidade sem grandes problemas. Este, é sem dúvida um dos preços altos a pagar por não viver dentro da cidade e ter de se deslocar a locais que nenhum dos transportes públicos visita. Lá fui. Noite escura, um vento agreste que balouçava o carro em andamento e me fazia reduzir a velocidade a que normalmente me desloco. De repente, uma chuva violentamente pesada começou a cair. Pingos tão grossos que pareciam que iam partir os vidros do carro a qualquer momento. Abrandei ainda mais, era tudo tão intenso que, para além de estar escuro como breu, não se conseguia ver nada com a intensidade de pingos grossos que se abatiam sobre a terra. A chuva formava uma cortina esbranquiçada, meia transparente que o carro ia atravessando, como se fosse entrar noutra dimensão. E talvez fosse... Eu pelo menos senti-me a viajar, literalmente, para outras dimensões do pensamento. A chuva tem em mim um efeito tipo Cocoon. Faz-me penetrar nos meus pensamentos mais profundos. Leva-me a uma dimensão do sub-consciente. Talvez porque simplesmente gosto de olhar a chuva. De ver os pingos grossos caírem no chão, lá fora, gosto dos salpicos nas janelas e com vento então, mais embalada fico. É como se entrasse num transe que me deixa em plena sintonia com o tempo que faz lá fora e me liberta a mente para os pensamentos que estão mais escondidos. Soltam-se com a ventania de um dia de Outono e caiem a pique na minha esfera de atenção como os pingos mais grossos da chuva que se faz ouvir lá fora.