Anunciando que algo se iria passar em breve, os dois altifalantes suspensos nos tripés de rua, emitiam uma música que mais pessoas chamavam ainda.
A música ao contrário do que seria de pensar não era nacional. Era algo moderno para aquelas paragens. Uma espécie de música exótica, árabe, como as que encantam as serpentes, mas apoiada por um chillout recente.
No pequeno larguinho da esquina da San Rafael com a Galiano preparava-se uma passagem de modelos de rua.
Já havia som, não havia palco, mas haviam umas fitas que separavam o público que se amontoava, da passerelle feita de chão.
Entre as duas colunas de som, os organizadores lutavam contra as adversidades do momento para prenderem a tela com o nome dos armazéns de roupa que patrocinavam o tamanho evento.
Numa barraquinha de lona improvisada, as modelos deviam estar a trocar de roupa, a analisar pelos cabides que iam entrando.
Os homens eram quase todos escuros. Quase sempre em tronco nu, ou então com mangas à cava. Usavam quase todos chinelos e as suas peles não conheciam cremes, perfumes ou óleos. Despenteados, com e sem dentes pareciam indígenas contemplando o civilizador.
As mulheres, apesar das suas peles também não conhecerem os nossos cosméticos, substituíam-nos por outros, sabe se lá onde os arranjavam e por isso eram lindas e exóticas. Tinham roupa. Mas pouca.
A distância adoptada permitia-me ver em plano geral, mas também cada rosto individualmente. E eram esses rostos individuais que carregavam a marca da miséria humana, mas que agora exprimiam felicidade com a aproximação do inédito e raro evento.
Enquanto aquela música dilatava o tempo e oferecia-me aquelas imagens em câmara lenta, uma senhora da organização saía da tenda-camarim e lançava sobre a multidão punhados de rebuçados.
Efervescentes, as crianças buliçosas, no meio de sorrisos e gritos, lutavam umas com as outras sem se magoarem, tentando apanhar o maior número de doces.
Há momentos da nossa vida em que choramos mais. Choramos nos primeiros anos de vida quando queremos dizer algo e não sabemos. Ou porque temos fome, ou porque sentimos dor ou simplesmente porque qualquer coisa nos desagrada.
Mais tarde choramos por tristeza, por desgosto. Choramos por frustração ou até por amor.
Se conseguíssemos quantificar e medir cada lágrima derramada chegaríamos à conclusão que a quantidade em mililitros é inversamente proporcional à nossa idade. Por outras palavras, quanto mais envelhecemos menos choramos. E assim poderíamos contabilizar e concluir, por exemplo, que chorámos até hoje 37 litros de lágrimas. Se a contabilidade fosse bem organizada poderíamos, ainda, concluir que desse total se calhar apenas 12 litros se justificavam e o restante era escusado. Enfim…
Talvez o importante não seja contabilizar mas aceitar. Aceitar que choramos porque somos humanos e pronto.
Quando se passa dos 30 e quando chorar é cada vez mais raro eis que surge a inevitável reflexão acompanhada da pergunta “Quando foi a última vez que chorei?”.
E tu? Quando foi a última vez que choraste?