O senhor Cintra já duvidava que eu
esperasse alguém. O meu encontro marcado para as quatro da tarde já
tinha expirado a validade. Estava mais frio junto à mesa onde me
encontrava do que lá fora e acabei por pedir um café pingado em
chávena escaldada, depois da primeira meia hora de espera.
Na pastelaria do senhor Cintra, igual
a do senhor João, igual a do senhor António, igual a qualquer outra
em lisboa, o LCD de 27 polegadas ao fundo do balcão sintonizava um talk show para preencher as tardes de quem não vai
para além do quarto canal.
Optei por sintonizar a janela mesmo ao
meu lado na expectativa que o meu contacto chegasse a qualquer
momento. Lá fora, as pessoas passavam apressadas, a falar ao
telemóvel, ou em passo apressado a olhar para o infinito, como se
circulassem com pressa mas sem destino.
Perto das cinco da tarde, enquanto escrevia uma notas no meu Moleskine clássico, senti alguém a
aproximar-se da minha mesa. “É a Alexandra?” perguntava o rapaz
com a face rubra, fôlego desequilibrado e com os braços
esticados parecendo não saber onde colocar as mãos sem ser nos
bolsos. Disse que sim e em jeito de pergunta-resposta disparei:
“Kbyte, certo?”
Enquanto pedia desculpa pelo pequeno
atraso, Kbyte – nickname do mundo dos bites e bytes que se estende
ao seu mundo de carne e de osso - rapidamente se sentou e pediu um
galão, meia torrada e um café no final. “Desculpe lá, acordei há
pouco, é o meu pequeno-almoço”.
Como quem faz um download ilegal, Kbyte
falou comigo sem pressas e com o entusiasmo de quem tem a
oportunidade de dar voz às intenções alegadamente lícitas que
reúnem de forma anónima e anárquica, hackers sem fronteiras,
livres de circular e de fazer circular o que consideram "património
público". Viajei pelo monitor facial de Kbyte que ao longo da
nossa conversa se debatia com olhar cintilante pela verdadeira
justiça que estes Robin dos Bosques virtuais defendiam. No fundo,
eles são os que lutam contra o Poder instituído.
Com o anoitecer, o Cintra interrompeu a
conversa para pedir o pagamento. Queria fechar a caixa. Há um bom
par de horas que nos olhava de lado e silenciosamente dizia - em tom
de desagrado - que eram horas de sair, enquanto varria as últimas
migalhas e guardanapos amachucados no chão, e arrumava as cadeiras de
pernas para o ar em cima das cerca de cinco mesas solitárias que restavam ao
longo do corredor, fazendo o maior barulho que podia para nos
desligar da corrente.
Paguei e saí com o Kbyte que estava atrasado para um encontro com colegas da Faculdade. "o que vale é que estou perto", dizia ele com ar tranquilo e energético. O Técnico era um pouco mais acima. Pediu-me pela terceira vez para usar apenas o seu nickname na minha peça. Como ele tinha muitos, não estava muito preocupado. Tranquilizei-o e enquanto me despedia já o meu telemóvel tocava. Um número que não reconheci. Encaminhei-me para a boca do metro mais próxima e atendi a chamada.
Paguei e saí com o Kbyte que estava atrasado para um encontro com colegas da Faculdade. "o que vale é que estou perto", dizia ele com ar tranquilo e energético. O Técnico era um pouco mais acima. Pediu-me pela terceira vez para usar apenas o seu nickname na minha peça. Como ele tinha muitos, não estava muito preocupado. Tranquilizei-o e enquanto me despedia já o meu telemóvel tocava. Um número que não reconheci. Encaminhei-me para a boca do metro mais próxima e atendi a chamada.
Do lado de lá,
uma voz masculina, apressada e sem rodeios, apresentou-se em tom de brincadeira. Era o Henry, um amigo de longa data que conheci na faculdade. Foi meu professor na cadeira de Inovação e Criatividade. As aulas dele eram fantásticas. Na altura, com os seus quarenta e alguns anos, demonstrava ter uma cultura vastíssima, não só pelo conhecimento adquirido em milhares de livros que lera ao longo da sua vida, mas acima de tudo pela riqueza das experiências de ter vivido fora de Portugal durante muitos e longos anos. Para além de muitos anos em Berlim, Henry vivera uns saudosos doze anos no Rio de Janeiro, cidade onde ainda hoje preserva alguns amigos.
Costumo ver Henry frequentemente. Encontramo-nos para tomar café com muita frequência, com o simples pretexto de matar saudades e conversar sobre os dias que correm. Geralmente sou eu quem mais fala. O Henry tem uma capacidade rara de ouvir as pessoas. Ouve com os olhos, como se mergulhasse na minha alma e soubesse perfeitamente tudo o que por lá navega. São muitos anos de amizade, uma amizade interrompida por alguns periodos de tempo, mas sempre que nos reencontramos, parece que não passou tempo nenhum desde o íultimo café. Henry telefonou-me porque queria confirmar o nosso encontro da manhã seguinte e ao mesmo tempo dizer-me que tinha mudado de número de telemóvel. Claro! Por isso não reconheci o número quando me ligou. Estava explicado.
(Continua)
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